quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Filas enormes para pegar um lugar no ônibus





Por André Duarte - Diário de Pernambuco


   Um agrupamento minimamente organizado de pessoas que buscam, simultaneamente, um serviço que não funciona direito. Numa definição tradicional, isso seria uma fila. Outras rotas ajudam a explicar esse fenômeno geralmente associado a tempo perdido, tédio e mau humor. Numa reunião de gente enfileirada há contornos sociológicos, psicológicos e até matemáticos, que dificilmente são nítidos à primeira vista. As filas estão em todo lugar e por isso mesmo tem gente que acha norma. Até enfrentar uma delas. Uma fila reúne todo tipo de conversa, gera brigas, forja ações solidárias, causa indignação e muitas vezes desnuda a personalidade quem a frequenta. Os pesquisadores não perderam tempo e já pegaram suas senhas pra tentar entender esse universo. Afinal, algumas nuances ainda precisam de explicação, como a ideia de que o ‘jeitinho’ de furar fila carrega o DNA brasileiro. Ao longo de uma semana, acompanhamos várias filas na Região Metropolitana do Recife, muitas na madrugada. No roteiro, a fila do Consulado Americano, com gente que sonha partir sem passagem de volta, e as filas dos presídios em dia de visita, nas quais se aguarda horas e horas para entrar onde ninguém quer ficar.
6:15
Os passageiros se afunilam pra alcançar a porta traseira do coletivo
Paulista-Macaxeira, uma das mais disputadas entre as 21 linhas que 
passam pelo Terminal de ônibus Pelópidas Silveira, em Paulista. 
Muitos reclamam da superlotação e denunciam que os seguranças de uma 
empresa terceirizada que tentam organizar a entrada no veículo só aparecem
eventualmente. Quando a porta é liberada, o tumulto se estabelece com toda 
a sorte de empurrões. Um segurança, que pretendia bloquear a entrada por
mais tempo, cai nos degraus do ônibus. Levanta, diz que levou um soco nas 
costas,saca um revólver e atira uma vez para o alto. Depois, aponta para um 
homem que já está dentro do veículo e o chama para a briga. O passageiro 
não se intimidae quebra um vidro do coletivo. Os estilhaços vão parar no 
ponto de embarque, onde a fila teima em continuar intacta.
 
7:19
O universitário Elton das Chagas chega ao terminal e dá de cara com o final da fila da linha Paulista-Conde da Boa Vista. Aos 19 anos, o estudante de Administração de Empresas toma diariamente cinco linhas. Àquela altura, a fila em formato de U atinge uns 50 metros. Quinze minutos depois, Elton está próximo do embarque, mas o ônibus lota rápido. Ele segue pra uma pequena fila alternativa. O recurso, consentido entre os passageiros, funciona assim: quando um ônibus lota e ninguém da fila principal se arrisca a entrar, os ocupantes da fileira anexa têm sinal verde para garimpar um espaço no veículo. Quem tem pressa, se habilita. Nas duas linhas radiais que passam no terminal de Paulista, justamente as mais concorridas, o tempo médio de espera é de 30 minutos no início da manhã. Elton só gastou metade desse tempo porque mudou de fila.


7:34
Enquanto segue a viagem em pé, Elton conta que as confusões são constantes nos embarques. Filho de um mecânico, estuda por conta própria os sistemas mecânicos dos veículos. “Um ônibus como esse gasta em média 60 litros de óleo diesel por dia. Polui muito, é desconfortável, não é pontual, a manutenção é cara e exige um motorista experiente. Devia ter metrô”. Às 8h25, desce no Derby e anda 12 minutos até a faculdade, nas Graças.


Com a palavra...
O consórcio Grande Recife (antiga EMTU), que administra os 13 terminais de integração da Região Metropolitana, respondeu ao Diario sobre o incidente com o tiro e o funcionamento das filas:
* a organização das filas é de responsabilidade de funcionários terceirizados, denominados de Apoio Operacional. No terminal Integrado Pelópidas Silveira atuam 14 apoios operacionais;
* o terminal conta com 21 linhas que operam com 152 veículos, transportando cerca de 137 mil passageiros por dia. O intervalo médio das linhas que possuem maior demanda é de 5 a 10 minutos, nos horários de pico. Em linhas de menor procura, os intervalos podem variar de 20 a 30 minutos;
* o caso ocorrido com o segurança foi uma situação atípica que está sendo averiguada pelo órgão gestor. O Grande Recife solicitou à empresa terceirizada a averiguação dos fatos para aplicar as punições cabíveis e está avaliando a operação da linha em que ocorreu o tumulto, para verificar se é possível um aumento de frota ou de viagens.

O que diz a lei
* Artigos que amparam as pessoas que se sentem lesadas em filas, no Código de Defesa do Consumidor:
Art. 14º - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (…) .
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
* A Lei municipal n° 16.685 / 2001 prevê multa de R$ 5 mil para as agências bancárias do Recife em que o cliente esperar na fila mais do que 15 minutos (em dias normais ou datas de pagamento dos servidores públicos) ou 30 minutos (em vésperas e após feriados prolongados).
Continua...

Um comentário:

  1. Excelente matéria que retrata com fidelidade e adgetivos próprios para esse descaso das empresas concessionárias de serviços públicos. Isso ocorre por trÊs motivos: comodismo dos usuários, descaso das concessionárias e falta de fiscalização. O serviço de transporte público em todo o estado está entregue al bel-prazer dos empresários, o descaso com o transporte público pode ser comparado a esploração do trabalho escravo na zona rural.

    Parabesn pela matéria.

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